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terça-feira, 29 de outubro de 2024

Atores ocasionais e o protagonismo vazio: o que o desastre pode nos ensinar

 O engajamento com a pauta da crise climática e dos desastres ambientais, para ser efetivo e genuíno, deve ser sustentado por conhecimento científico e técnico, experiência, responsabilidade e compromisso real com as soluções e a conscientização pública. No entanto, a visibilidade da pauta muitas vezes atrai pessoas e organizações com pouco ou nenhum envolvimento prático ou conhecimento aprofundado do tema, levando a ações e manifestações que podem distorcer o debate e atrapalhar o desenvolvimento de ações efetivas, tornando-o superficial ou, no pior dos casos, sensacionalista. Isso pode não apenas desviar o foco das discussões, mas também reduzir a credibilidade e a profundidade das mensagens transmitidas ao público.


Esses "
atores ocasionais" muitas vezes veem na crise climática e nos desastres uma oportunidade para ganhar protagonismo e projeção, mas sem o compromisso e a responsabilidade necessária para a implementação de soluções. A presença deles pode até ter um aspecto positivo ao chamar mais atenção para a pauta, mas, se desinformada ou oportunista, acaba prejudicando o entendimento da sociedade sobre os desafios reais e as complexidades da questão. Assim, é importante que aqueles que realmente possuem expertise, compromisso e histórico de envolvimento com a pauta (como cientistas, ativistas e profissionais do setor de defesa civil e ambiental) atuem de forma ativa para direcionar e educar o debate público. Em brevíssima análise, é notório que eles devem buscar:


1. Produzir e compartilhar conhecimento de qualidade: Publicar dados acessíveis e educativos em canais de comunicação que alcancem o grande público e contestar informações sensacionalistas ou incorretas. 

2. Promover o diálogo com a mídia: Atuar junto aos veículos de comunicação para que as coberturas sobre o clima sigam princípios éticos, evitem alarmismo sem fundamento e contextualizem os problemas sem relativizá-los ou distorcê-los.

3. Desenvolver alianças e fomentar iniciativas comunitárias: Estimular a participação de atores com real interesse em aprender e contribuir, promovendo eventos, palestras e ações locais que envolvam a sociedade civil e gerem uma mobilização genuína e fundamentada.

4. Fortalecer o papel das lideranças legítimas: Reforçar a importância das vozes que têm credibilidade e legitimidade para falar sobre a crise climática e que representam as comunidades mais afetadas por ela.

Atualmente é possível notar pessoas que nunca estiveram pautando suas funções ou atividades voluntárias com a pauta dos desastres ou do clima se envolvendo e discutindo sobre o tema. Em que pese o tema ser multi e intradisciplinar, existe a necessidade fundamental que cada pessoa ou organização esteja engajada na sua expertise para contribuir com o processo. Cada vez mais comum perceber pessoas falando e agindo em paralelo aos órgãos de defesa civil, por exemplo. Isso traz prejuízo significativo em uma estrutura que se organiza em sistema no Brasil e, no futuro, só contribuiu com a vulnerabilidade das ações necessárias a serem implementadas no novo regime climático.

É importante também que as instituições e a sociedade como um todo façam o discernimento entre quem busca protagonismo vazio e quem realmente se compromete com a pauta, valorizando a contribuição de quem investiu e investe tempo, trabalho e conhecimento na causa. O espaço midiático deveria ser, preferencialmente, um espaço de informação crítica e responsabilidade social, onde os verdadeiros especialistas e aqueles com experiência comprovada no campo sejam a base do debate público.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Os desafios dos municípios e a capacidade de enfrentamento a desastres

Os municípios do Rio Grande do Sul enfrentam desafios significativos para lidar com desastres meteorológicos, como inundações, secas e tempestades. Para entender melhor essa capacidade, é fundamental analisar a intersecção entre a teoria de Bruno Latour sobre ecologia política e as contribuições de especialistas em desastres e políticas públicas.
Bruno Latour defende que a ecologia política deve considerar as redes de relações entre humanos e não-humanos (objetos, animais, plantas). No contexto dos desastres meteorológicos, isso significa reconhecer a interconexão entre os sistemas naturais, infraestrutura urbana e comunidades locais.
A participação popular é uma importante maneira de enfrentar os desafios nos municípios. Ampliar a participação dos cidadãos nas decisões políticas e transformá-los em agentes dessas políticas. Nós cenários afetados por desastres a cartografia social tem se mostrado uma ferramenta virtuosa de apoio nas decisões e fortalecimento do poder local.
Essas ações participativas traz mais credibilidade ao poder público, empoderamento da sociedade civil e incremental uma cultura de participação e engajamento com decisões que evitam frustrações. Quando o cidadão tem voz ativa a sociedade é mais justa e equitativa, mas tudo isso depende das estruturas que possibilitem essa participação.
De outra banda, Norma Valêncio, especialista em desastres, destaca a importância da gestão de riscos e da resiliência municipal. Ela argumenta que os municípios devem desenvolver planos de contingência e fortalecer a cooperação entre os atores locais, estaduais e federais.
Outro cientista da sociologia dos dasestres é Enrico Quarentelli, especialista em desastres, enfatiza a necessidade de uma abordagem integrada, que considere a vulnerabilidade social, econômica e ambiental dos municípios. Ele defende a criação de sistemas de alerta precoce e a implementação de medidas de mitigação.
A especialista em políticas públicas Celina Souza destaca também a importância da governança multinível e da participação cidadã na formulação de políticas de enfrentamento a desastres. Ela argumenta que os municípios devem desenvolver políticas públicas que contemplem as necessidades específicas das comunidades locais.
No Rio Grande do Sul, estado que vem sofrendo com constantes desastres, alguns municípios têm feito progressos significativos na capacidade de enfrentar desastres meteorológicos. Por exemplo:
- O município de Porto Alegre implementou um sistema de alerta precoce para inundações.
- O município de Caxias do Sul desenvolveu um plano de contingência para tempestades.
- O município de Rio Grande investiu em infraestrutura para mitigar os efeitos das secas.
No entanto, ainda existem desafios significativos, como:
- Falta de recursos financeiros e humanos.
- Insuficiente coordenação entre os atores locais, estaduais e federais.
- Vulnerabilidade social e econômica das comunidades locais.
Para superar esses desafios, é fundamental adotar uma abordagem integrada, que considere as redes de relações entre humanos e não-humanos, como defende Bruno Latour. Além disso, é necessário:
- Fortalecer a cooperação entre os atores locais, estaduais e federais.
- Desenvolver políticas públicas que contemplem as necessidades específicas das comunidades locais.
- Investir em infraestrutura e tecnologia para mitigar os efeitos dos desastres.
Dessa forma, a capacidade dos municípios do Rio Grande do Sul para enfrentar desastres meteorológicos depende muito da adoção de uma abordagem integrada, que considere as redes de relações entre humanos e não-humanos, e da implementação de políticas públicas eficazes. Mais adiante, a pretensão de falar sobre os planos diretores vai também ilustrar a capacidade estatal para a resiliência frente os desastres que continuarão acontecendo.

O Novo Regime Climático: Bruno Latour, as ideologias e a ecologia.

Bruno Latour, filósofo francês, defendeu uma abordagem inovadora sobre o envolvimento de ideologias e ecologia. Para ele, a crise ecológica não pode ser separada das questões políticas e sociais. O sociólogo e filósofo argumenta que a ecologia não é apenas uma questão científica, mas também política e filosófica. Ele critica a visão tradicional que separa a natureza da cultura.
Em sua obra "Jamais Fomos Modernos" (1991), Latour questiona a noção de modernidade e a separação entre sujeito e objeto, natureza e cultura. Ele também defende uma abordagem mais holística, que considere as relações entre humanos e não-humanos (objetos, animais, plantas).
Latour propõe o conceito de "ecologia política" para superar a dicotomia entre natureza e cultura quando enfatiza a importância de considerar as redes de relações entre os atores humanos e não-humanos. A ecologia política de Latour busca reunir saberes e práticas para enfrentar a crise ambiental.
A critica sobre as ideologias que colocam o crescimento econômico acima da sustentabilidade tem a pretensão de defender uma democracia mais ampla, que inclua os não-humanos na tomada de decisões da sociedade.
A abordagem de Latour inspirou movimentos sociais e ambientais e influenciou a teoria do "Antropoceno", que reconhece a influência humana no planeta. Latour também inspirou a economia circular e a transição para uma sociedade mais sustentável.
A sua obra continua a influenciar debates sobre ecologia, política e filosofia.
e nos lembra de que a ecologia não é apenas uma questão científica, mas também política e ética. Propõe um desafio para repensar nossas relações com o mundo natural e nos convida a criar um novo contrato social que inclua os não-humanos. A obra de Latour é um chamado à ação para enfrentar a crise ecológica e 
nos inspira a construir um futuro mais sustentável e justo para todos.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

O SUCESSO E O FRACASSO DAS NAÇÕES

       Para enriquecer ainda mais o debate sobre o sucesso e fracasso das nações, adicionar contribuições a partir das várias disciplinas mencionadas — história, filosofia, sociologia, política, antropologia, direito e economia — bem como insights cruciais fornecidos por Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson. Essas abordagens revelam a complexidade do desenvolvimento das sociedades e como os fatores históricos, culturais, institucionais e econômicos se entrelaçam.

1. Visão de Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson: Instituições e o Determinismo Histórico

Acemoglu, Johnson e Robinson (AJR) destacam em suas obras a importância fundamental das instituições para o sucesso ou fracasso das nações. Suas pesquisas, particularmente no influente livro "Por que as Nações Fracassam", propõem a ideia de que instituições políticas e econômicas inclusivas são as principais responsáveis por gerar prosperidade. Eles contrastam essas instituições com as instituições extrativas, que concentram poder e riqueza em poucas mãos, limitando o crescimento e criando desigualdade.


História e Colonização: A abordagem histórica de AJR observa que muitos dos atuais problemas das nações subdesenvolvidas podem ser rastreados até os legados da colonização. Eles citam a instalação de instituições extrativas em colônias voltadas para a exploração de recursos, como na América Latina e África, em contraste com colônias de povoamento, onde instituições inclusivas e voltadas para o desenvolvimento foram estabelecidas (como nos EUA, Canadá e Austrália).

Esse enfoque histórico conecta-se à Teoria da Inversão da Fortuna, que AJR discutem: regiões que eram ricas antes da colonização (como a América Latina) acabaram sendo pobres após a colonização, enquanto regiões que antes eram relativamente pobres (como a América do Norte) prosperaram devido à implementação de instituições inclusivas.

2. Bagagem Histórica

A história tem um papel fundamental na análise das dinâmicas que conduzem ao sucesso ou fracasso das nações. 

A Revolução Industrial é um ponto chave para entender o surgimento de economias modernas de sucesso. As nações que adotaram precocemente instituições inclusivas, incentivando a inovação e o empreendedorismo, como o Reino Unido, tiveram um crescimento econômico exponencial.

As Guerras Mundiais e a Descolonização no século XX mudaram a paisagem econômica e política mundial. Muitas nações que se libertaram do jugo colonial herdaram estruturas institucionais que eram mal adaptadas ao desenvolvimento inclusivo, o que contribuiu para sua estagnação ou colapso.

A visão histórica também ressalta a importância de momentos críticos (ou "junctures"), como revoluções, crises econômicas ou guerras, que abrem portas para mudanças institucionais. Um exemplo é a transição de muitos países europeus de monarquias absolutistas para democracias constitucionais no século XIX.

 3. Filosofia: O Contrato Social

Do ponto de vista filosófico, podemos conectar a análise de instituições inclusivas e extrativas à teoria do Contrato Social, como formulada por filósofos como John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Thomas Hobbes. Locke argumenta que governos existem para proteger os direitos naturais dos indivíduos (vida, liberdade e propriedade). Esse princípio é central para o desenvolvimento de instituições inclusivas, que garantem a proteção dos direitos de propriedade e o bem-estar social. Por outro lado, Hobbes acreditava que, sem um governo forte (o "Leviatã"), a sociedade estaria em um estado de guerra perpétua. Instituições extrativas, que se concentram em centralizar o poder, podem ser vistas como reflexos dessa visão hobbesiana de governança autoritária. A filosofia política também questiona a moralidade da distribuição de recursos, o papel do Estado e a justiça social, temas explorados na obra de Rawls, que defende a importância de uma estrutura institucional que promova a equidade e a justiça.

 4. Sociologia: Estratificação e Mobilidade Social

A sociologia oferece uma lente importante para compreender o papel da estratificação social e da mobilidade na formação das nações. As nações com instituições extrativas tendem a ter uma sociedade mais rígida e hierarquizada, com pouca mobilidade social, o que inibe a inovação e o empreendedorismo.

O sociólogo Max Weber abordou essa questão ao discutir como certos valores culturais, como a ética protestante, influenciam o desenvolvimento econômico. Sociedades onde o mérito e o esforço são valorizados, como na Europa Ocidental, tendem a ser mais inclusivas e, portanto, mais prósperas. A sociologia também enfatiza o papel das redes sociais e capital social, teorizado por autores como Pierre Bourdieu. As nações que incentivam redes de cooperação, confiança mútua e participação cívica têm uma capacidade maior de gerar crescimento inclusivo.

5. Política: Democracia e Autocracia

A política é central para o sucesso ou fracasso das nações, conforme discutido por AJR. A transição de regimes autocráticos para democracias inclusivas é frequentemente uma chave para o crescimento sustentável.

- Teoria Democrática: As democracias, especialmente aquelas que adotam instituições inclusivas, permitem maior participação política, controle sobre as elites e o desenvolvimento de políticas públicas voltadas ao bem-estar social. Isso contrasta com regimes autoritários que, ao concentrarem poder, criam incentivos para o extrativismo e a exploração de recursos em benefício da elite.

- Ciclos Autocráticos: Países com governos autoritários e ditatoriais, como a União Soviética ou a Venezuela, enfrentam frequentemente declínios econômicos devido à ausência de inovação e à restrição da liberdade econômica. Regimes democráticos, ao contrário, tendem a ter instituições mais transparentes e inclusivas.

6. Antropologia: Cultura e Normas Sociais

A antropologia, focada no estudo das culturas e práticas humanas, contribui com insights valiosos para entender por que algumas nações prosperam e outras falham. A Cultura e a Economia: Como discutido por Weber, as normas culturais que incentivam o trabalho duro, a poupança e o empreendedorismo são fundamentais para o sucesso econômico. Em contraste, culturas onde prevalecem normas que desincentivam a inovação ou onde a corrupção é generalizada podem perpetuar o fracasso institucional.

- Sistemas Tradicionais: Em algumas nações, especialmente em regiões com forte presença de estruturas tribais ou tradições locais, as instituições modernas e inclusivas entram em choque com os sistemas tradicionais, criando dificuldades para a implementação de reformas.

 7. Direito: Estado de Direito e Proteção de Direitos de Propriedade

O direito desempenha um papel crucial no desenvolvimento das instituições. O Estado de Direito e a proteção dos direitos de propriedade são fundamentais para o crescimento econômico, conforme argumentado por Acemoglu e Robinson. Em nações onde o Estado de Direito é forte, há segurança jurídica para os investidores e empresários, o que incentiva a inovação e o crescimento econômico. Em contraste, onde há incerteza jurídica, corrupção e violação de direitos, os investimentos são desincentivados, e a economia estagna. A ausência de proteção aos direitos de propriedade em regimes extrativistas impede que a população se beneficie do crescimento econômico.

 8. Economia: Inovação e Incentivos

A economia é a base do argumento de AJR, que enfatizam que instituições inclusivas geram incentivos para inovação, investimento e crescimento econômico. Crescimento Endógeno: Teorias modernas de crescimento econômico, como a teoria do crescimento endógeno, mostram que inovações tecnológicas, educação e investimentos em capital humano são os principais motores do desenvolvimento. Países que criam um ambiente favorável para esses fatores (via instituições inclusivas) prosperam. As falhas de mercado e intervenção estatal: Economias extrativas muitas vezes sofrem com falhas de mercado exacerbadas pela intervenção excessiva do Estado. Um exemplo clássico é o colapso das economias planejadas da União Soviética, onde a ausência de incentivos ao mercado levou à estagnação.

Ou seja, o sucesso e o fracasso das nações não podem ser atribuídos a um único fator, mas são o resultado de uma complexa interação entre história, filosofia política, sociologia, cultura, direito e economia. Acemoglu, Johnson e Robinson destacam o papel crucial das instituições inclusivas como o motor do sucesso, mas reconhecem que essas instituições emergem em contextos históricos, sociais e culturais específicos. A bagagem histórica, filosófica, política, jurídica e econômica de cada nação, portanto, molda o caminho de seu desenvolvimento.